quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

"O Brado Retumbante"


O assunto que proponho trabalhar neste post toca à nova "série", "minissérie" (chame como desejar) transmitida pela singular Rede Globo: "O Brado Retumbante". Desde já, deixo claro que este post é muito mais um exercício de previsão do que será tal "programa", tendo em vista que ontem passou o primeiro capítulo.
Acredito que as proposições que aqui serão expostas não estão pautadas em solo desconhecido, mas parte de uma singela análise do significado do político referente às idéias do senso comum de nossa população e também de como esse mesmo político é tratado pela mesma emissora. Doravante defendo a idéia de que esse imaginário político de nossa população não seja algo sui generis, peculiar à sociedade, mas construído em determinado período histórico por uma determinada classe e que até hoje sofremos com seus efeitos deletérios. Comecemos então por essa construção do imaginário político.
Segundo W. Guilherme dos Santos em Quem dará o golpe no Brasil? o Brasil na década de 50-60 sofrera com um processo de demonização da política. O que isto significa? Significa afirmar que o solo da política é permeado por camadas corruptas da sociedade, usurpadores do poder público, ladrões da ordem pública, "comunistas", etc. Não excluo essa característica. Afinal, Sarney ainda é presidente do Senado; mas também critico essa postura demonizadora. Para Santos, essa demonização da política era somente um instrumento que arava o solo para um golpe de direita, para ideologias liberais, de mercado, capitalistas mundiais. Poderíamos criar um slogan para a campanha, sendo ele mais ou menos assim: "Política para quem entende de política". Ou seja, técnicos, burocratas. O lugar do povo era na platéia, na urna. Assim a direita poderia controlar o que era essencial, a política, que se passava por um zero à esquerda.
Mais tarde, a cena da política é assumida fortemente pela corrupção. A agenda de combate à corrupção surge como algo que veio “destruir algo novo”, que não havia antes na história. Talvez seja o vício que a classe dominante tem de esquecer o passado (escravista, oligárquico, excludente, desigual e sempre corrupto), de apagar a verdadeira história brasileira da cognição de seu povo. Enfim, tudo que hoje toca a política está ligado à corrupção. Política é isso: espaço destinado a oportunistas assaltarem o público, que às vezes me parece ser correspondido pelo "o que é de ninguém" e às vezes, num surto positivo, "no que é de todos”.
O problema da identidade “política-corrupção” não seria tão escandaloso, aos meus olhos, se fosse cobrado uma resposta às virtudes das leis e instituições que circunscrevem o problema. O problema é que todos esperam um Jesus Cristo político. Esperamos um homem virtuoso que salve todos nós da chaga nacional. Minha previsão sobre "O Brado retumbante" se esgota nesse argumento. Tal "série" nos faz pensar que a cura a tal chaga é esperar que um Jesus caia na Alvorada e nos Salve. Podemos abrir um parêntese com outra reflexão: por que o homem virtuoso tem que ser visto apenas como chefe do executivo, e não do legislativo ou mesmo do judiciário. Será que o executivo é mais forte, mais importante, enfim, “mais”? Montesquieu não gostaria de saber disso. Outro elemento que pude perceber na "série" é a tentativa de apresentar uma teatralização do político pelas figuras de ministérios que parecem a primeira vista irrelevantes, como Ministério da pesca fluvial, etc. Política não é teatro, mas sim um processo de deliberação sobre a "polis" e seus elos. Todos nós fazemos política em todo momento que nos relacionamos com o outro. Política não é feita somente naquele espaço restrito, entre quatro paredes; embora em nossa história assim se fez e faz durante anos. Não julguemos a essência pela forma, pelos “acidentes”, como orientava Aristóteles. Permanecendo nossa análise nos escritos do bom e velho Aristóteles, é possível entender essa problemática pela relação que o mesmo filósofo faz do “bom cidadão” e do “homem bom”. A virtude do “bom cidadão” varia com a constituição da Cidade da qual ele é membro. A do “homem bom” não; esta já representa a uma única virtude, singular. A metáfora do marinheiro (Livro III, cap. IV) é excelente para entendermos a virtude do cidadão. A virtude do “bom cidadão” reside no bom desempenho do seu trabalho. Aristóteles atesta tanto para a impossibilidade da Cidade ser constituída de “homens bons” mas afirma que uma perfeita Cidade deve, e só, ser constituída de “bons cidadãos”. Aqui nos encontramos com o propósito do post: Na política e em outras esferas da vida social esperamos sempre a presença de um “homem bom”, nunca a de um “bom cidadão”. Isso leva tanto a debate moralizante da política que ao mesmo tempo desvirtua de seu escopo principal.
Gostaria que o assunto que se faz diante a corrupção tocasse a virtude das leis, das instituições políticas e não dos indivíduos, uma vez que a virtude do indivíduo varia com a constituição a qual ele pertence. Uma outra questão: Por que as empresas envolvidas nos casos de corrupções não merecem nosso veto? Afinal, penso que são os empresários que procuram os políticos e não o contrário. No final, eles também assaltam o público. Passo a bola da reflexão.
O ultimo recado que gostaria de deixar: Jesus Cristo somos todos nós. A cada dia morre um Jesus na fila do SUS. Não esperemos que façam por nós.

2 comentários:

OS OSSOS DOS NOMES disse...

Caro Matheus, você, num acerto sintético valioso, descreveu muito bem o processo ideológico do dispositivo midiático junto a política. Com isso me relembrou algumas questões referentes a "nossa política", a "nossa formação de Estado" e "nosso peculiar messianismo executivo".

Creio que essa preponderância imagética do Executivo em um Estado republicano e democrático se dê, dentre outras coisas mais sutis e não tão óbvias, por conta do presidencialismo. Parece-me, e também ao prof. Paulo Bonavides, que essa potência desigual que é o Executivo, seja ditadura, "personalismo", disfarçados... daí, a perspectivas messiânicas do surgimento do "bom-homem que salvará a Nação" se dê, mais facilmente, em sistemas presidencialistas do que em parlamentaristas.

Outra reflexão possível, quase ordinária, diz respeito ao desenvolvimento do "arquivo" - memória - da país. Os dispositivos - no sentido foucaultiano - de eleição pensam pelos eleitores, e com isso, criam a fácil figura soteriológica do líder. Somos, indecentemente, esperançosos de que nos salvem - fenômeno esse reconhecido tanto na esquerda quanto na direita.

Acredito que a série faça muito sucesso, desconfiando que a real intenção da emissora seja o de pensar (sentir)e, por conseguinte, eleger. Em suma, capturar - função de todo dispositivo.

Como entretenimento, "O Brado Retumbante" é um primor. Vale para quem gosta de cinema.

Anônimo disse...

"Como entretenimento, "O Brado Retumbante" é um primor. Vale para quem gosta de cinema.

Perfeita a colocacao!


Uma chatice ficar avaliando td pela otica politica.