quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Como o Idealismo matou o Jornalismo


Precisamos repensar o jornalismo. É com essa frase que abro esse texto, por um motivo óbvio, creio que nossa reflexão sobre a produção jornalística não é capaz de captar a realidade desse mundo controverso e cheio de ciladas que é o campo jornalístico. De inicio pode-se pensar que essa proposta está relacionada à nova realidade online, às redes sociais ou coisas do tipo. Mas definitivamente não são esses pontos que motivam a reflexão. Penso, sobretudo, em alguns fatos que afetaram o jornalismo. Dou destaque a dois, o caso Murdoch e a cobertura do Pan Americano feita pela Globo.
Os dois casos, em si, em nada se assemelham. Em um, estamos falando da quebra de sigilo telefônico de mais de 4000 pessoas na Inglaterra e as relações promíscuas entre um conglomerado de mídia e setores políticos interessados. No outro, a questão levantada é a do interesse público em torno de um evento, ao qual foi dado menor importância devido a disputas de audiência com a Record. Mas, ainda assim, cabe perguntar o que aproxima esses casos?
Ambos são sintomas de uma prática jornalística que não mais se pauta por valores (valores notícias e interesse público, por exemplo), mas por interesse econômico. Os ganhos, os lucros, estão acima do bem informar a população, o valor econômico passa a ser o principal na veiculação de notícias. É nesse ponto que está o grande desafio de quem se preocupa em pensar a prática jornalística atual.
A maior parte dos estudos sobre jornalismo partem de uma idéia de jornalismo pré formatada e tentam medir a realidade com essas concepções. Há a esperança de que essas idéias sejam capazes de alterar o mundo dos jornalistas. Isso tem um nome: Idealismo. A maior parte das pesquisas em jornalismo hoje em dia são idealistas e prendem-se a uma dicotomia improdutiva chamada de Bom e Mau jornalismo. Enquanto pensarmos dentro dessas perspectiva, e por meio de todo aparato por ela construído, estaremos pisando em nuvens, mas não estaremos mostrando como é de fato a realidade produtiva do jornalismo. É preciso inverter a ordem desses fatores.
O jornalismo precisa ser pensado a partir de sua produção, pois não são as idéias que descem do céu, elas são produzidas nas relações sociais, econômicas e políticas na qual um jornalista, ou uma empresa jornalística, está inserida. Pode chamar, se quiser, de Teoria Materialista do Jornalismo. Para entender o Caso Murdoch, ou a Cobertura do Pan, deve-se estar além de bom e mau. Necessita-se questionar, como as empresas se posiconam? E como isso aparece em seus jornais? Como se dão as relações de trabalho em cada uma delas? Qual foi seu método de apuração das matérias? Quais são as disputas econômicas envolvidas entre as empresas de comunicação?
Essas questões seriam capazes de construir um escopo geral para se entender um pouco melhor essa realidade do jornalismo movido por valores econômicos. A partir dessas questões entra outra fundamental, por que como disse Marx, não podemos nos limitar a interpretar o mundo, é preciso transformá-lo. Essas questão é para dar conta de uma deontologia, de um dever moral do jornalista. Veja bem não estou falando de ética, não estou falando de padrões universais. Estou falando, para que a partir da interpretação da realidade jornalística atual, propormos algo diferente. E esse “algo diferente” passa, necessariamente, pelo entendimento da realidade atual conjugada com propostas de transformação desse mundo.

Cícero Villela - Graduando em Comunicação Social na UFJF

3 comentários:

Ivan Bilheiro disse...

Ilmo Cícero, interessante a sua fala. Concordo e amplio a tese central, no sentido de afirmar que todos os profissionais, das mais diversas áreas, devem estar constantemente atentos e reflexivos quanto à realidade, quanto à prática cotidiana de suas profissões e de seus pares. Se deste diagnóstico constante e atualizado resultar uma discussão que gere a tese de uma mudança, que a ela se dediquem os mesmos profissionais. Você bem sabe, como já o dizia sobre a ciência T. Kuhn! Mas da dificuldade de profissionais que estão submetidos a interesses alheios aos da profissão surge o embarreiramento das possibilidades de transformação do campo profissional, uma vez que ele está rendido e cerceado por áreas outras que, infelizmente, lhe são necessárias. Enfim, há muita discussão por aí... Mas é bom ver que você está a postos, fazendo o devido alerta aos pares jornalistas!

Anônimo disse...

Refletir a pratica jornalística é voltar no momento mesmo da sua constituição. A divulgação midiática nasceu sob os preceitos do capital e para atender o capital. Não devemos nos iludir e tentar, como recorrentemente tem-se tentado moralizar o jornalismo. A mídia no geral pode ser vista como uma grande empresa que visa o lucro e nada além dele. É compreensível o ato dos indivíduos em depositar esperanças na mídia mediante o papel que desempenha no seio da sociedade. Para além dessa percepção superficial, cabe lembrar mais uma vez, a mídia é uma grande indústria do capital, e que no mais das vezes serve às elites e seus interesses. Tentar converter o uso midiático a fins outros que não o da racionalidade capitalista é cair na maior contradição de todas, uma vez que sua fundação sempre foi e sempre se manteve na esfera dos interesses de uns poucos. O conhecimento libertador está com muito mais certeza na leitura de um bom livro do que na esperança de uma mídia imparcial ou que cumpra um papel social divergente daquele a que sempre tem se prestado, ou seja, o controle, a enganação, a exacerbação do consumo desenfreado, a demonização da política e a exaltação do sistema financeiro mundial, entre outros.

FERREIRA, Matheus disse...

Descordo de que a divulgação midiática nasceu sob os preceitos do capital e para atender primordialmente o capital. Tocqueville em "A democracia na América" atentou para o primeiro caráter que o jornal assumirá naquele país: havia muitos jornais correspondentes a regiões distintas, bairros distintos possibilitando assim pluralidade das noticias e dos ideias; porém com o movimento da sociedade americana isso se esgotara. Vê-se que o jornal tem sim uma função social que está para além do capital. Não julguemos apenas pelas circunstâncias; deve-se ir além.
Quanto o que cabe a moralização do jornalismo concordo veementemente com você, mas acredito que o que o Cícero colocou no seu artigo tange muito mais a uma regulamentação da mídia, tendo em vista sua função social, algo que parece estar sendo encaminhado para discussão no Estado, segundo últimas notícias. A mídia precisa de uma reforma! Sabemos que a realidade é dura, mas mutável. A história está ai pra mostrar isso.
Uma outra questão que coloco pauta sua ideia de que o "conhecimento libertador está muito mais condicionado por uma leitura de um bom livro do que na esperança de uma mídia imparcial"; se a mídia está a serviço do capital, o livro sofre com o domínio do capital. Vemos isso nos abusivos preços dos livros, que são monopolizados pelas empresas do ramo. Acredito que fica difícil apontar para uma "saída" objetiva dentro desses termos.