sexta-feira, 24 de agosto de 2012

"O País traído" - Carta Capital 24 de agosto de 2012

Em São Paulo, tempos ásperos. Leio: uma residência particular é assaltada a cada hora, o roubo de carros multiplica-se nos estacionamentos dos shopping centers. Entre parênteses, recantos deslumbrantes, alguns são os mais imponentes e ricos do mundo. Que se curva. Um jornalão, na prática samaritana do serviço aos leitores, fornece um receituário destinado a abrandar o risco. Reforce as fechaduras, instale um sistema de alarme etc. etc.
Em vão esperemos por algo mais, a reflexão séria de algum órgão midiático, ou de um solitário editorialista, colunista, articulista, a respeito das enésimas provas da inexorável progressão da criminalidade. Diga-se que uma análise honesta não exige esforço desumano, muito pelo contrário.

Enquanto as metrópoles nacionais figuram entre as mais violentas do mundo, acima de 50 mil brasileiros são assassinados anualmente, e um relatório divulgado esta semana pelas Nações Unidas coloca o Brasil em quarto lugar na classificação dos mais desiguais da América Latina, precedido por Guatemala, Honduras e Colômbia. O documento informa que 28% da população brasileira mora em favelas, sem contar quem vive nos inúmeros grotões do País.

Vale acrescentar que mais de 60% do nosso território não é alcançado pelo saneamento básico. Ou sublinhar a precariedade da saúde pública e do nosso ensino em geral. Dispomos de uma cornucópia maligna de dados terrificantes. Em contrapartida, capitais brasileiros refugiados em paraísos fiscais somam uma extravasante importância que coloca os graúdos nativos em quarto lugar entre os maiores evasores globais.

É do conhecimento até do mundo mineral que o desequilíbrio social é o maior problema do País. Dele decorrem os demais. Entrave fatal para o exercício de um capitalismo razoavelmente saudável. E evitemos tocar na tecla do desenvolvimento democrático. Mas quantos não se conformam? Não serão, decerto, os ricos em bilhões, e a turma dos aspirantes, cada vez mais ostensivos na exibição de seu poder de compra e de seu mau gosto. Não serão os profissionais da política, sempre que não soe a hora da retórica. Não será a mídia, concentrada no ataque a tudo que se faça em odor de PT, ou em nome da igualdade e da justiça.

Nada de espantos, o Brasil ainda vive a dicotomia casa-grande–senzala. CartaCapital e especificamente o acima assinado queixam-se com frequência do silêncio da mídia diante de situações escusas, de denúncias bem fundamentadas, de provas irrefutáveis de mazelas sem conta. Penso no assunto, para chegar à conclusão de que há algo pior. Bem pior. Trata-se da insensibilidade diante da desgraça, da miséria, do atraso. Da traição cometida contra o País que alguns canalhas chamam de pátria.
Exemplo recentíssimo. Há quem lamente os resultados relativamente medíocres dos atletas brasileiros nas Olimpíadas de Londres. Parece-me, porém, que ninguém se perguntou por que um povo tão miscigenado, a contar nas competições esportivas inclusive com a potência e a flexibilidade da fibra longa da raça negra, não consegue os mesmos resultados alcançados em primeiro lugar pelos Estados Unidos. Ou pela Jamaica. Responder a este por que é tão simples quanto a tudo o mais. O Brasil não é o que merece ser, e está muito longe de ser, por causa de tanto descaso, de tanto egoísmo, de tanta ferocidade. De tanta incompetência dos senhores da casa-grande. Carregamos a infelicidade da maioria como a bola de ferro atada aos pés do convicto.

Mesmo o remediado não se incomoda se um mercado persa se estabelece em cada esquina. Basta erguer os vidros do carro e travar as portas. Outros nem precisam disso, sua carruagem relampejante é blindada. Ou dispõem de helicóptero. Impávidos, levantam seus prédios como torres de castelos medievais e das alturas contemplam impassíveis os casebres dos servos da gleba espalhados abaixo. A dita classe média acostumou-se com os panoramas da miséria, com a inestimável contribuição da mídia e das suas invenções, omissões, mentiras. E silêncios.

Às vezes me ocorre a possibilidade, condescendente, de que a insensibilidade seja o fruto carnudo da burrice.

domingo, 20 de maio de 2012

Em busca do céu na terra

Ontem, dia 19 de maio, assistindo a final da Liga dos Campeões me ocorreu de ser levado a varanda de meu apartamento por um surto histérico de ordem transcendental. Era a "marcha para Jesus". Em muito me intrigou aquela caminhada; comecei a me perguntar por que o movimento estudantil em Juiz de Fora não toma proporções desta caminhada, por que a marcha da maconha também não, ou qualquer outra manifestação política. Mas logo desanimei de procurar tais respostas, pois não passava de comparações românticas que me vieram pelo fato.
Hoje pela tarde, trocando pernas pelo centro parei numa banca e vi que eram cerca de 50 mil pessoas em tal movimento. Confesso que ,me assustei. Assustei pelo número de pessoas que tal "bandeira" levantou e por cartazes que hoje via Facebook pude ver, que eram erguidas a fim de dizer que Casamento do mesmo sexo era "PECADO". A partir dai comecei a imaginar se tal movimento começa a tomar proporções políticas mais aprofundadas. Não quero de forma alguma reduzir o espaço político que tal grupo tem por direito na esfera pública do debate, mas com essa ética dos fins últimos penso que deva haver mecanismos institucionais que ponham constrangimentos a essa agenda, se é que podemos chamar de agenda. Sei que pareço negativista, afinal é uma preocupação.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Tribo brasileira é a 'mais ameaçada do mundo', diz entidade




O grupo de defesa dos direitos indígenas Survival International afirma que os índios Awá, do Maranhão, formam a tribo mais ameaçada do mundo. Calcula-se que de 60 a 100 de seus cerca de 450 membros nunca tenham tido contato com o mundo exterior.
A Survival diz que a tribo vem perdendo território de todos os lados. Queimadas feitas por madeireiros acabam com seu habitat e o de seus animais. A entidade espera conseguir pressionar o governo para que este dê mais atenção ao problema dos Awá, classificado pelo juiz José Carlos do Vale Madeira em 2009 como "genocídio".
ver o resto da matéria em: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/04/tribo-brasileira-e-a-mais-ameacada-do-mundo-diz-entidade.html%3Cdiv%20class=%22separator%22%20style=%22clear:%20both;%20text-align:%20center;%22%3E

sábado, 21 de abril de 2012

Escrita poética1

paro
respiro
reflito
lamento
penso
a quem devemos algo afinal?
aos homens livres que não sabiam transpor sua liberdade a outros campos
que nos guiaram ao abismo da subcultura
ou àqueles homens acorrentados
holocaustiados
que nos ergueram feito flores entre o asfalto?

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Poesia

............................................
Grite para que eles lhe calem
Tema para que eles te respeitem
Exilar-se para poder sonhar
ou fique aqui comigo
e assista a festa
Vista suas fardas
Ponha sua taça a bailar
Comemorando o que lhes restou da ignorância
............................................

sábado, 31 de março de 2012

Passividade ou Resposta? Escolhas (in) viáveis dos partidos de esquerda.

Os escritos que se seguem almejam contemplar a configuração do cenário político, para a esquerda, entre as décadas de 20 e 60 (aproximadamente) do séc. XX. O objetivo central é apresentar como elementos objetivos da realidade constrangeram os horizontes político, social e econômico dos partidos que construiu sua agenda a partir dos escritos do velho Marx (e Engels) e de outros marxistas como Lenin, Gramsci, Rosa Luxemburgo, Trotski, etc. Algumas reflexões acerca da relação entre capitalismo e democracia, partidos políticos e o jogo político e questões éticas que tangem aos partidos serão abordadas no decorrer do post.
As décadas que correm entre 20 e 60 foram consagradas por fatos que vieram a marcar para sempre a história da humanidade. Basicamente: 1)Primeira Guerra Mundial, a qual, muitos atribuem a característica de guerra mais sanguinária já vista; 2)Organização de governos Fascistas 3)Revolução Russa, de onde arquiteta-se os meios para se alcançarem o socialismo; 4)Crise de 29; 5) Organização de governos nazifascistas; 6)Segunda Guerra Mundial e a vitória da democracia.
A organização da esquerda política se viu constrangida em todos esses momentos históricos. Por constrangido devemos entender que características estruturais configuram-se como fronteiras bem delimitadas para os planos práticos desse movimento. A primeira Guerra Mundial, assim como a Segunda, criou uma demanda emergencial para cobrir a guerra, ou seja, tudo que se produzia entre os países que estavam disputando a hegemonia tendia ao gládio entre nações. Com exceção da URSS que se retirou da guerra, ocupando-se com a Revolução interna que revirava o antigo sistema de dominação tradicional feudal, cuja soberania personalizava-se no Tzar. Segundo Przeworski, ao se fazer a Revolução Russa, o Estado organiza-se burocraticamente, encarna a função de "espinha dorsal", "cérebro social" do Estado Funcional Durkheimiano, ou seja, o novo Estado passa a organizar a sociedade, seus recursos, sua produção, sua economia, assumindo um capitalismo de Estado, cujo corolário se deu com a stalinização dos movimentos sociais e organizações políticas. A burocracia segundo Weber é uma característica do Estado Moderno, porém, uma "jaula de ferro". O Estado passa a se organizar como uma empresa, organização típica da burguesia. Tais características criam constrangimentos para o movimento socialista.
A crise de 29 aparece como um período em que se abre espaço para a vitória da ideologia socialista, mas também, por outro lado, cria espaço para o fortalecimento e manutenção da ideologia capitalista. Quando os níveis de desemprego apresentam-se incontáveis os discursos socialistas soam bem aos ouvidos daqueles que sentem as dores da crise, inclusive se propostas de cobrir demandas imediatas são criadas. Por outro lado, dá espaço para que o Capitalismo reforce suas estruturas mostrando que é capaz de "superar" crises, e projetar políticas econômicas de resultados eficazes, como a política Keynesiana.
O advento de governos nazifascistas neutralizou os projetos de movimentos de esquerda. “Intelectuais orgânicos” foram presos, organizações de esquerda eram proibidas, entre outras medidas que foram baixadas sobre eles. Já que falamos em “intelectuais orgânicos” é válido abrirmos um parêntese para incluir outro elemento que marcou os partidos socialistas: o constante academicismo do marxismo como disciplina filosófica. Se lembrarmos que o velho Marx iniciou seu projeto nas discussões filosóficas e os direcionaram para a práxis, podemos obervar em contraposição que os “marxistas ocidentais” nem sequer, com exceções de Gramsci (engajado politicamente), deram importância para a práxis, não trasbordaram a filosofia, mas tinham ela como finalidade em si. Para Gramsci, era necessário coadunar intelectuais e trabalhadores. Os intelectuais teriam como função traduzir a ideologia do sistema para que ideologicamente o proletariado se organizasse e conquistasse a hegemonia. A esfera da ideologia assume importantes dimensões para a contra cultura proletária.
O fim da segunda Guerra mundial, a priori, e depois o fim da Guerra Fria marcada pela queda do muro de Berlim teve como corolário a vitoria do sistema capitalista e da democracia como valores universais. Claro que tiveram países que optaram pelo “socialismo”, como Cuba. Acumulando muitas derrotas ao longo da história, a esquerda organizada teve de se render a algumas questões: devemos ou não jogar esse jogo burguês do Estado de direitos? Quais serão nossos objetivos? Fazer da democracia um meio ou uma finalidade? Se ganharmos o jogo, será que eles aceitarão a legitimidade governo? Além de perguntas, haviam fatos previstos para a entrada dos partidos socialistas na democracia: se nós contemplarmos com propostas políticas apenas a classe operária nós não alcançaremos o poder, uma vez que o jogo se define pela conquista da maioria (50% +1), logo, se visarmos atingir outras classes romperemos o sentido fundador do partido. Só havia duas cartas à mesa, e a escolha não era coerciva.
Uma vez que as demandas dos proletários eram de caráter imediato, a esquerda opta por entrar no sistema e lutar não mais pela revolução. A democracia torna-se uma finalidade para a esquerda, não mais um meio como antes. Abandonado o ideal revolucionário, as reformas surgem como horizonte possível. Pensava-se em garantir via sistema mudanças estruturais no próprio sistema. Mas isso não resiste à hegemonia do capitalismo. Posto que o capitalismo repouse sobre todas as consciências, não é tarefa fácil atuar junto ao proletário mais vulgar nadando contra a corrente. O capital é mais eficaz. Se as reformas não são aprovadas, resta lutar por garantir direitos trabalhistas, sociais e políticos. É isso que fazem com que eles se organizem como partido socialdemocrata.
Todos nós jogamos com a realidade posta. A esquerda teve que jogar com ela. É necessário que saibamos ler a história, assim como recomendou Maquiavel em O Príncipe. Estratégias devem ser traçadas para que fins sejam alcançados. Os fins não justificam os meios. Às vezes é necessário ceder a algo extraordinário para poder ganhar. Política é luta, violência, disputa. Não há espaço para caprichos, a não ser que você esteja por cima, caso contrário, bailará. A esquerda apenas respondeu a realidade da forma que leu-a. Não foi passível diante dela. Há quem tautologicamente afirma que se a esquerda se conservasse como vanguarda conseguiria resultados mais pontuais; outros, pensam o oposto. Não estamos aqui pensando no se, mas no como deve ser, o atual, o que exige análise diária.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Aristóteles nos tempos atuais


Lendo Ética a Nicômaco (Aristóteles, 1966), deparei-me com uma discussão travada pelo autor cujo escopo era “desembrulhar” o que seria algo deliberado e seu anverso. Aristóteles inicia essa reflexão ao perseguir uma resposta ao que seria a “excelência moral” e como se chegar a ela – ponto central em seu livro III.
Então, qual o significado de deliberado para Aristóteles? Para podermos compreender este conceito devemos nos ater a conceitos anteriores trabalhados na obra (no mesmo livro III) como “escolha” e “ação voluntária e involuntária”. O que compreendemos, a partir da leitura daquele autor, sobre ação voluntária e involuntária? Resumidamente, por ação voluntária devemos compreender que a ação em si, sua natureza, parte do interior do indivíduo, não sendo determinado pelo exterior deste. Involuntárias seriam “as ações praticadas sob compulsão ou por ignorância; um ato é forçado quando sua origem é externa ao agente, sendo tal a sua natureza que o agente não contribui de forma alguma para o ato, mas ao contrário, é influenciado por ele (...)”. Claro que o exercício filosófico da busca de conceitos por Aristóteles não encerra desta maneira, mas trilha muitos caminhos e possibilidades de formulação.
Passamos agora para o conceito de “escolha”. Utilizando-se da comparação entre animais e seres humanos o autor norteia a discussão para o caminho do racional-irracional.

(...) a escolha requer o uso da razão e do pensamento. (ARISTOTELES, 1966: pg. 156)

Nestas condições, somente os seres humanos podem inclinar-se para a escolha. A escolha envolve algo de premeditado, algo cognoscível à percepção humana. Chegamos então ao conceito de “deliberado”.
Para Aristóteles, o conceito de deliberado toca a capacidade do homem decidir sobre sua realidade: modifica-la ou mantê-la. Mas, há coisas sobre as quais os homens não podem interferir, entre elas, os objetos de estudos das ciências exatas e autônomas (imagine se possível deliberar sobre quais moléculas formarão a substancia água?).
Toda essa discussão envolvendo intenção, escolha e deliberação me faz pensar sobre um problema muito em voga nos tempos atuais: meio ambiente. Se é verdade que mantendo o modo de produção capitalista atual nós caminhamos para a destruição da natureza, por que não mudar? Se o sistema é cognoscível (característico da “escolha”) e toca a uma construção humana, é algo que pode ser deliberado. Mas onde se encontra a escolha? Principalmente a da mudança? Encontro a resposta na modernidade Weberiana.
A modernidade tocada pelo capitalismo figura-se na “jaula de ferro”, num aprisionamento dos indivíduos a um sistema rígido. Se pensamos na modernidade por um ponto de vista das diversas identidades, pluralizações, não podemos esquecer que há um continuo processo de padronização ética e estética, em que a produção dita o consumo e a busca incessante por lucro dita a moral e a ética. Esse sistema neutraliza a deliberação, direciona a escolha e corrompe a intenção; ou seja: a preservação do meio ambiente incompatível como sistema.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

"O Brado Retumbante"


O assunto que proponho trabalhar neste post toca à nova "série", "minissérie" (chame como desejar) transmitida pela singular Rede Globo: "O Brado Retumbante". Desde já, deixo claro que este post é muito mais um exercício de previsão do que será tal "programa", tendo em vista que ontem passou o primeiro capítulo.
Acredito que as proposições que aqui serão expostas não estão pautadas em solo desconhecido, mas parte de uma singela análise do significado do político referente às idéias do senso comum de nossa população e também de como esse mesmo político é tratado pela mesma emissora. Doravante defendo a idéia de que esse imaginário político de nossa população não seja algo sui generis, peculiar à sociedade, mas construído em determinado período histórico por uma determinada classe e que até hoje sofremos com seus efeitos deletérios. Comecemos então por essa construção do imaginário político.
Segundo W. Guilherme dos Santos em Quem dará o golpe no Brasil? o Brasil na década de 50-60 sofrera com um processo de demonização da política. O que isto significa? Significa afirmar que o solo da política é permeado por camadas corruptas da sociedade, usurpadores do poder público, ladrões da ordem pública, "comunistas", etc. Não excluo essa característica. Afinal, Sarney ainda é presidente do Senado; mas também critico essa postura demonizadora. Para Santos, essa demonização da política era somente um instrumento que arava o solo para um golpe de direita, para ideologias liberais, de mercado, capitalistas mundiais. Poderíamos criar um slogan para a campanha, sendo ele mais ou menos assim: "Política para quem entende de política". Ou seja, técnicos, burocratas. O lugar do povo era na platéia, na urna. Assim a direita poderia controlar o que era essencial, a política, que se passava por um zero à esquerda.
Mais tarde, a cena da política é assumida fortemente pela corrupção. A agenda de combate à corrupção surge como algo que veio “destruir algo novo”, que não havia antes na história. Talvez seja o vício que a classe dominante tem de esquecer o passado (escravista, oligárquico, excludente, desigual e sempre corrupto), de apagar a verdadeira história brasileira da cognição de seu povo. Enfim, tudo que hoje toca a política está ligado à corrupção. Política é isso: espaço destinado a oportunistas assaltarem o público, que às vezes me parece ser correspondido pelo "o que é de ninguém" e às vezes, num surto positivo, "no que é de todos”.
O problema da identidade “política-corrupção” não seria tão escandaloso, aos meus olhos, se fosse cobrado uma resposta às virtudes das leis e instituições que circunscrevem o problema. O problema é que todos esperam um Jesus Cristo político. Esperamos um homem virtuoso que salve todos nós da chaga nacional. Minha previsão sobre "O Brado retumbante" se esgota nesse argumento. Tal "série" nos faz pensar que a cura a tal chaga é esperar que um Jesus caia na Alvorada e nos Salve. Podemos abrir um parêntese com outra reflexão: por que o homem virtuoso tem que ser visto apenas como chefe do executivo, e não do legislativo ou mesmo do judiciário. Será que o executivo é mais forte, mais importante, enfim, “mais”? Montesquieu não gostaria de saber disso. Outro elemento que pude perceber na "série" é a tentativa de apresentar uma teatralização do político pelas figuras de ministérios que parecem a primeira vista irrelevantes, como Ministério da pesca fluvial, etc. Política não é teatro, mas sim um processo de deliberação sobre a "polis" e seus elos. Todos nós fazemos política em todo momento que nos relacionamos com o outro. Política não é feita somente naquele espaço restrito, entre quatro paredes; embora em nossa história assim se fez e faz durante anos. Não julguemos a essência pela forma, pelos “acidentes”, como orientava Aristóteles. Permanecendo nossa análise nos escritos do bom e velho Aristóteles, é possível entender essa problemática pela relação que o mesmo filósofo faz do “bom cidadão” e do “homem bom”. A virtude do “bom cidadão” varia com a constituição da Cidade da qual ele é membro. A do “homem bom” não; esta já representa a uma única virtude, singular. A metáfora do marinheiro (Livro III, cap. IV) é excelente para entendermos a virtude do cidadão. A virtude do “bom cidadão” reside no bom desempenho do seu trabalho. Aristóteles atesta tanto para a impossibilidade da Cidade ser constituída de “homens bons” mas afirma que uma perfeita Cidade deve, e só, ser constituída de “bons cidadãos”. Aqui nos encontramos com o propósito do post: Na política e em outras esferas da vida social esperamos sempre a presença de um “homem bom”, nunca a de um “bom cidadão”. Isso leva tanto a debate moralizante da política que ao mesmo tempo desvirtua de seu escopo principal.
Gostaria que o assunto que se faz diante a corrupção tocasse a virtude das leis, das instituições políticas e não dos indivíduos, uma vez que a virtude do indivíduo varia com a constituição a qual ele pertence. Uma outra questão: Por que as empresas envolvidas nos casos de corrupções não merecem nosso veto? Afinal, penso que são os empresários que procuram os políticos e não o contrário. No final, eles também assaltam o público. Passo a bola da reflexão.
O ultimo recado que gostaria de deixar: Jesus Cristo somos todos nós. A cada dia morre um Jesus na fila do SUS. Não esperemos que façam por nós.