quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Quem senta à mesa?


Quem senta à mesa?

Introdução
Luis da Câmara Cascudo em sua obra intitulada História da Alimentação no Brasil colocará sob a mesa um novo olhar, sociológico, acerca da culinária nacional. Muito além de uma simples resposta a fome, a alimentação, logo a culinária, está envolvida numa teia que interliga complexos sociais, políticos, econômicos, artísticos, literários, líricos, pictóricos, etc. O enfoque social supera o nutricional nessa obra.
Um dos aspectos fundamentais para uma compreensão aprofundada da alimentação está, para o autor, na relação que o mesmo faz entre o “complexo verbal” e a culinária. “O complexo verbal” é de grande importância para uma sociedade, pois através dele que se legitimam poderes econômicos, políticos e sociais. Para Ortega y Gasset, cada geração sente a necessidade de criar novos vocábulos para alojar seus entusiasmos. Na culinária podemos observar o mesmo, mas em instâncias menores, como nome de doces (beijinho, suspiro de anjo, teta de nega, olho de sogra, etc.) que estão intimamente ligados as relações amoroso-sexuais do povo brasileiro. Nessa comparação (com o “complexo verbal”), diz Cascudo, a ciência culinária perdeu a mística verbal que a ambientava. Não foi adquirida uma consciência da culinária, possuímos apenas uma consciência do estado da fome. Sendo assim, afirmamos que o complexo culinário, enquanto psicologia coletiva, continua obscuro para nossa sociedade.
Aqui se faz a ideia do título, “Quem senta à mesa?”, pois trabalharemos com todos esses complexos que envolvem o simples e ao mesmo tempo complexo hábito de alimentar.
As dimensões da culinária
A culinária faz parte da sabedoria popular. Receitas são passadas de geração em geração por linhagens familiares. Sob a forma de textos ou sabiamente decoradas. O Folclore alimentar é muito rico, estendendo-se até para os mitos: quem comer manga com leite vai passar mal. Etc. Devemos compreender tudo que envolve a culinária para percebermos suas riquezas.
Como dissemos na introdução, a culinária está presente numa trama de teias que interligam complexos sociais, econômicos, políticos, religiosos, etc., relacionando-se um a uma na vida social. A partir desse pressuposto trataremos da culinária em cada um desses complexos, resgatando seus valores simbólicos, econômicos e políticos. Primeiro trataremos dos valores econômicos e políticos da culinária, pois acreditamos ser muito importante para compreendermos o sistema no qual estamos submetidos e qual o papel da culinária na organização desse sistema, depois trataremos rapidamente dos aspectos religiosos. Nosso foco de discussão é o primeiro “complexo”.
Dentro do complexo econômico- político podemos primeiro apresentar uma tese que coloca a culinária como um elemento de distinção de classes e para isso basta direcionarmos nossos olhos para os “potlatchs” como ceias de natal, ano novo, aniversários. Se gasta muito dinheiro para celebração de um dia, festivo no calendário. Quanto maior e com mais variedade for a culinária, maior é a posição dessa pessoa na hierarquia social. E, como membro de uma classe, essas pessoas seguem esses padrões festivos para se reafirmarem como membros dessa classe, buscando cada ano aumentar o “poder” da sua ceia. Outro exemplo é como as pessoas se comportam à mesa: suas maneiras de conduzir os talheres, de alojar o guardanapo, etc. “Ou você come como um peão de obra ou se comporta a mesa”. Observa-se claramente como os alimentos estão diretamente ligados as hierarquias de classes.
Outro aspecto ligado à economia da alimentação está ligado ao tempo que destinamos a nossas refeições. Geralmente, o tempo que se leva para terminar uma refeição é de 15 minutos; tempo muito pequeno para que seu corpo possa realizar um trabalho com todos os nutrientes da comida. A partir disso devemos nos perguntar como esse tempo é determinado e logo encontramos a resposta no sistema econômico capitalista e no modelo de sociedade moderna em que vivemos; sociedade essa em que corremos o dia inteiro, com pressa, sem tempo para nada, muito menos para satisfazer as necessidades do nosso corpo, como a da alimentação. O relógio do capital é que move nossas bocas e escolhe o que comeremos. Move nossas vidas. Vivemos com pressa e morremos devagar, enquanto o barato da vida é viver devagar e morrer depressa. Não é a toa que a culinária dos E.U.A pauta-se em fast-foods (MC DONALD’S, BURGER KING’s, BOB’S, etc.), alimentos muito saturados e artificiais que esta levando mais da metade da população desse país a obesidade. Mas pra que se preocupar se com esse tipo de culinária consegue-se manter o proletário em pé na fábrica durante horas. Na Inglaterra, no período da Revolução Industrial, o açúcar era muito presente na alimentação dos operários, pois sua ingestão mantinha a classe trabalhadora (explorada) sem fome por um bom tempo e dava energia para o trabalho. A falta de tempo para se alimentar corretamente faz parte da lógica do capital: Time is Money! O empregado tem previsto em lei uma hora para se alimentar e dentro dessa hora perde 30 minutos para ir e voltar ao local onde faz a refeição, 15 minutos para fazer a refeição e 15minutos restantes para fazer a digestão. Com pouco tempo para a refeição, o trabalhador busca fazer suas refeições em restaurantes . Mas, também há aqueles que não comem em restaurante, mas acabam se entregando à culinária corrompida do capitalismo, trocando a terra pela lata . O paladar é a vítima do capitalismo. A estética do alimento substitui sua saúde. Usamos agrotóxicos, fertilizantes e várias outras drogas para criarmos alimentos gordos e coloridos, que falsamente são posto como sinônimo de riqueza proteica. Tira-se o gosto orinal do alimento, substituindo por um artificial. Bebemos suco de laranja com veneno. Mas tudo isso é importante para o mercado exportador, pois seu lucro é muito maior. Podemos, com uma analogia que Cascudo faz do homem- máquina, entender como o capitalismo organiza nossa alimentação: Assim como a máquina não escolhe o óleo, o trabalhador não escolhe o que come. “As tentativas econômica e técnicas do “prato único” nos refeitórios industriais são peças desse xadrez” (CASCUDO, p. 450).
Por fim, tem-se a culinária ligada ao complexo religioso, que implica em algumas questões como a posição dos Indianos com relação a carne de vaca. Para eles a vaca é um animal sagrado. Quem a usar em sua culinária está constrangendo diretamente os deuses. Os católicos também se abstêm da carne vermelha na Semana Santa. Contudo, a relação mística entre religião e culinária não é apenas proibitiva, como o caso da indiana, há exemplos em que o alimento era tido como sagrado para determinadas tribos e fazia parte do seu prato diário. A mandioca mesma surge d’um mito. Assim também é a carne de porco para os Cubanos. E assim se constituem outros mitos em torno dos alimentos.
Podemos adentrar em outros complexos com outros exemplos: experimente comer sem camisa. Quase 100% da população acharia isso uma falta de educação. Quem nunca ouviu um “coloca a camisa pra comer menino!”? Quem vai à alguma festa logo espera uma fartura alimentar. Festa sem comida não é festa, e ai do dono da festa se não oferecer o que comer. Cai na língua do povo. Funerais também são exemplos que apresentam uma lógica culinária singular.
Conclusão
Para Cascudo, a culinária, logo a alimentação, pode ser entendida como a base do complexo cultural de uma sociedade. É partir desse pressuposto que o autor afirma que a culinária/alimentação faz parte da cultura. É cultura; das mais primordiais que se possa imaginar. Superada talvez pelas relações de parentesco que Levi-Strauss trabalhou. Em tudo há comida no meio, ou a falta dela (vê-se o exemplo dos prisioneiros políticos de Cuba, os quais utilizam-se da greve de fome para almejar sua liberdade ou melhorias locais). Em um curso de Folclore Brasileiro o Porf. Gilberto disse que os U.S.A adoram fazer uma guerra porque não se alimentam direito. Quem se alimenta direito repousa posteriormente. A alimentação requer um descanso. Claro que foi uma ironia da parte dele. Por fim, uma das coisas que mais me intriga no que tange a alimentação é saber que na terra do Sol (América do Sul, do Sol), com toda abundância natural, há milhões de pessoas que passam fome. Enquanto na Amazônia “o peixe pula a sua boca e a manga cai em sua cabeça”, nos grandes centros urbanos pessoas reviram os lixos em busca do que comer. A conclusão que devemos tirar daí é: que alem da culinária/alimentação ser um processo social, a fome também o é. E somos nós os responsáveis por elas.
O povo é o que ele come!


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASCUDO, Luis da Câmara. História da Alimentação no Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1983.